Entre 1951 e 1952, Feynman passou alguns meses no Brasil, e deu aulas na Academia Brasileira de Ciências. A seguir, estão algumas opiniões que o próprio Feynman registra sobre a forma como nós, brasileiros, estudamos ciências*.
"Em relação à educação no Brasil, tive uma experiência muito interessante. (...)"
Feynman descreve uma longa sequência de perguntas que fizera aos alunos, envolvendo a polarização da luz quando refletida por uma interface entre dois meios com índices de refração diferentes, mesclando perguntas teóricas (fórmulas) e práticas (observação da luz refletida, na superfície da baía, que podia ser vista pela janela)...
Depois de muita investigação, finalmente descobri que os estudantes tinham decorado tudo, mas não sabiam o que queria dizer. Quando eles ouviram “luz que é refletida de um meio com um índice de refração”, eles não sabiam que isso significava um material como a água. Eles não sabiam que a “direção da luz” é a direção na qual você vê alguma coisa quando está olhando, e assim por diante. Tudo estava totalmente decorado, mas nada havia sido traduzido em palavras que fizessem sentido. Assim, se eu perguntasse: “O que é o Ângulo de Brewster?”, eu estava entrando no computador com a senha correta. Mas se eu digo: “Observe a água”, nada acontece – eles não têm nada sob o comando “Observe a água”.Ao final do ano letivo, ele foi convidado para apresentar um seminário, sobre suas experiências com o ensino no Brasil... em sua fala, disparou:
Depois participei de uma palestra na faculdade de engenharia. A palestra foi assim: “Dois corpos… são considerados equivalentes… se torques iguais… produzirem… acelerações iguais. (...). Os estudantes estavam todos sentados lá fazendo anotações e, quando o professor repetia a frase, checavam para ter certeza de que haviam anotado certo. Então eles anotavam a próxima frase, e a outra, e a outra. Eu era o único que sabia que o professor estava falando sobre objetos com o mesmo momento de inércia e era difícil descobrir isso.
Eu não conseguia entender como eles aprenderiam qualquer coisa daquela maneira. Ele estava falando sobre momentos de inércia, mas não se discutia quão difícil é empurrar uma porta para abrir quando se coloca muito peso longe do eixo, em comparação quando você coloca perto da dobradiça – nada!
"O principal propósito de minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil." (...)
Então ergui o livro de Física Elementar que eles estavam usando. "Não são mencionados resultados experimentais em lugar algum nesse livro, exceto em um lugar onde há uma bola, descendo um plano inclinado, onde ele diz a distância que a bola percorreu em um segundo, dois segundos, três segundos... Os números têm erros - ou seja, se você olhar, você pensa que está vendo resultados experimentais (...), no entanto, (...) se você realmente fizer esse experimento, produzirá cinco sétimos da resposta correta, por causa da energia extra necessária para a rotação da bola (que o autor do livro desconsidera).
(...) Ao folhear o livro aleatoriamente, posso mostrar que não há ciência, mas sim memorização, em todos os casos. Por exemplo:
"Triboluminescência é a luz emitida quando os cristais são friccionados..."
Digo: e aí? você fez ciência? Não! Apenas foi dito o significado de uma palavra, em termos de outras palavras. Não foi dito nada sobre a natureza - quais os cristais que produzem luz quando friccionados, nem por que eles produzem luz. Alguém viu algum estudante ir para casa e verificar isso experimentalmente?
Por fim, disse que não conseguia entender como alguém podia ser educado neste sistema autopropagante, no qual as pessoas passam nas provas e ensinam os outros a passar nas provas, mas ninguém sabe nada.
Como eu gostaria que essas fossem mais algumas das divertidas anedotas do Dr Feynman... mas infelizmente, ele está falando sério. É exatamente assim que nossas escolas funcionam! - e o pior, sua descrição, feita em 1951, ainda é bastante atual.
(*) Trechos retirados do livro "O Sr está brincando, Sr. Feynman?", de sua própria autoria.
10 comentários:
Como sempre, Excelente !
> sua descrição, feita em 1951, ainda é bastante atual.
Não é atual. Piorou bastante de lá pra cá...
Todo o capítulo do livro que trata do Brasil ainda é bastante atual, até o episódio do carro que cai no buraco aberto na rua.
Muito bom! Todos os dias na Faculdade (Comunicação - Uerj) eu penso exatamente isso. Sabem anotar e decorar, mas não sabem pensar e experimentar.
Atualíssima!!! Excelente artigo, sou formado em Engenharia pela Universidade Federal do Ceará e essas opiniões do Dr. Feynman me fez lembrar das minhas aulas de Física e Calculo na universidade: muita "decoreba" e pouca experimenção.
É verdade, a maioria dos professores só está ensinando seus alunos a repitirem...
Não é ensinado a arte da dúvida e da crítica.
Ana Maria disse...
O que o professor Feynman disse é atualíssimo. Os estudantes não sabem pensar cientificamente, analisando resultados, variando grandezas para verificar ou não hipóteses, não só no laboratório, mas nas resoluções de problemas do dia a dia. E, aqueles professores que pretendem mudar esta situação são raros e encontram bastante obstáculo. Importante refletir sobre tudo isso.
Olá Fábio, tudo bem? Sou Thiago Camelo, trabalho no site da revista Ciência Hoje. Gostamos tanto do seu texto que tivemos a ideia de repercuti-lo entre professores de física. Fizemos um post com a opinão deles a respeito do que disse Feynman. As respostas foram boas, resolvemos publicá-las na íntegra. O resultado está aqui - www.cienciahoje.uol.com.br/intervalo/fisica-passado-e-presente
Abraço e parabéns pelo blog.
Thiago
Obrigado Thiago. Fico feliz e honrado pela repercussão.
Corrigindo o link: Ciência Hoje
Sou estudante de física na Universidade Tecnológica Federal do Paraná e com minha pequena experiência já posso confirmar as criticas presentes neste texto. Para os alunos e também a maioria dos professores é muito mais confortável ensinar e aprender uma "ciência" em um processo onde não é necessário pensar muito, basta tirar uma boa nota ou passar no concurso, sem se envolver de verdade com os conteúdos.
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