O ponto central é: todos sabemos muito bem o que é "ciência", mas... que é "tecnologia"? - estamos usando essa palavra o tempo todo, mas qual o seu significado? - será que ela significa o mesmo para todos nós?
A CIÊNCIA procura observar os fenômenos, com o objetivo de tentar criar MODELOS.
A ENGENHARIA procura utilizar os MODELOS para criar soluções para problemas reais. Portanto, não compete ao engenheiro criar os modelos. Essa é a competência do cientista. O engenheiro precisa, sim, ter domínio do USO desses modelos, para criar soluções otimizadas (menor custo, maior eficiência...). Infelizmente, a maioria dos cursos de Enhenharia parece não compreender isso, e enfatiza a dedução de modelos, em detrimento da sua aplicação em problemas concretos.
Acontece que, de fato, não dá pra isolar essas duas atividades. Do trabalho do engenheiro, podem surgir DOIS subprodutos:
- ao manipular e combinar modelos, muitas vezes o engenheiro acaba refinando-os, ou mesmo criando NOVOS MODELOS. Tudo bem, isso acontece com frequência - mas temos que ter em mente que esse NÃO É o seu principal objetivo - portanto, não deve ser o foco de sua formação. Ele deve estar preparado TAMBÉM para isso, mas não APENAS para isso.
- ao explorar o espaço de possíveis soluções para um dado problema, os engenheiros acabam encontrando "categorias" de soluções. Dentro de cada categoria, o problema pode ser reduzido a um conjunto de parâmetros, e resolvido de forma muito mais simples que o caminho original, genérico, de encontrar as soluções a partir dos modelos fundamentais. Por exemplo: para projetar os prédios de Niemeyer, não tem jeito: eles são únicos! - então o engenheiro vai ter que resolver equações diferenciais, calcular momento fletor, tensões, etc - ponto a ponto, viga a viga - tudo a partir dos modelos originais da Física; mas para projetar um edifício tipo "engradado", desses que se constrói aos montes, o cálculo é muito mais simples, e pode ser feito com ajuda de tabelas, a partir de alguns PARÂMETROS.
É isso que eu defino como TECNOLOGIA: qualquer artefato que permita solucionar certas categorias de problemas a partir de um conjunto de parâmetros, abstraindo-se a complexidade dos modelos que deram origem a essas soluções.
Na eletrônica, temos os chips... na medicina, os comprimidos... na informática, as bibliotecas... Quer montar um oscilador? use esse chip! Tá com dor de cabeça, tome esse comprimido! quer ordenar uma lista? use essa função! - para usar essas soluções, não precisamos saber o que há dentro delas, muito menos como foram feitas - temos apenas que compreender seus parâmetros (entradas, saídas, sintomas, efeitos colaterais...). Para formar um técnico, portanto, eu não preciso torturá-lo durante anos com modelos e teorias que ele jamais vai usar! - A formação de um técnico deve ser focada na compreensão dos conceitos e parâmetros que lhe permitam APLICAR as tecnologias ao seu alcance.
Já que chegamos até aqui, podemos definir o que é um TECNÓLOGO: é o sujeito que conhece várias tecnologias, e é capaz de escolher a melhor delas para uma dada aplicação. Ele não é um engenheiro: sua formação não é dedicada à criação ou otimização de novas soluções, embora, eventualmente, ao usar e associar diversas tecnologias, ele possa criar novas tecnologias.
Exemplo: muitos médicos de consultório atuam como tecnólogos. A maioria deles não faz a menor ideia do que há dentro dos comprimidos, muito menos como eles agem no organismo. Eles sabem apenas que, dado um conjunto de sintomas (e outros parâmetros), receita-se o comprimido X, em tal dose. Acontece que, com a prática (e algum conhecimento que ele têm de fisiologia e farmacologia), ele pode experimentar a associação do comprimido X com Y, e encontrar novos resultados, para determinados casos. Isso pode dar origem a um novo tipo de tratamento, ou, uma nova TECNOLOGIA de tratamento. Importante notar que essa nova tecnologia de tratamento pode abrir novas fronteiras de conhecimento...
Ciência e Tecnologia são, portanto, como Yin e Yang: uma promove a outra, as duas fazem parte de um mesmo todo, mas cada uma deve manter sua essência própria. Na atuação de cada profissional (e na formação deles), esses dois elementos estarão sempre presentes, mas é importante saber que são distintos, e qual é o papel de cada um para aquele profissional. Infelizmente, nossa cultura acadêmica parece não compreender esse equilíbrio, e valoriza demais a formação científica, em detrimento da tecnológica.
Então... voltando à discussão sobre o mestrado...
O objetivo de um mestrado é fazer com que uma pessoa se torne MESTRE em alguma arte, ciência, técnica ou tecnologia EXISTENTE. Deve apenas aplicar o que já se sabe, e o que já existe - de uma forma diferente da que NORMALMENTE é feita - mas não necessariamente de uma forma inédita.
Um mestrado em ENGENHARIA, portanto, deve ter seu foco na APLICAÇÂO de modelos existentes, com o objetivo de gerar novas TECNOLOGIAS. Se, por acaso, esse estudo resultar num avanço científico (melhoria ou criação de novos modelos), ótimo!!! - mas esse não é o seu objetivo principal.
Apenas para concluir... tudo isso que está escrito aqui pertence ao campo da FILOSOFIA! - cujo objetivo é imaginar como as coisas DEVERIAM SER, sem nenhum compromisso em prender-se a como elas REALMENTE SÃO...
o que nos leva a um resumo desses quatro conceitos, que considero fundamentais:
A Filosofia imagina como as coisas deveriam ser;
A Ciência observa como elas realmente são;
A Engenharia as modifica, como desejamos que sejam;
A Tecnologia nos permite usá-las, abstraindo as três anteriores.
A correta compreensão desses 4 conceitos - ou eixos - é essencial para a construção dos currículos e perfis de nossos cursos - em todas as áreas, e em todos os níveis.
Você consegue identificar o equilíbrio e a distinção clara entre esses 4 conceitos, no perfil curricular de seu curso?
deixe o seu comentário!
6 comentários:
Que texto mais lúcido, amigo Fábio. Seu quadro resumo merece ser um quadro nas paredes da academia
Engenheiro, quando vc se identificar, eu coloco o seu comentário de volta, ok?
Parabéns pelo texto Amigo Fábio, vc conseguiu traduzir muita coisa da realidade e melhorar conceitos já existentes, que funcionam ou não!!!, o tempo em sala de aula deve ser aproveitado aplicando conceitos na prática, pois o que o mercado de trabalho nos exige é "experiência" e conseguir solucionar problemas no dia-a-dia.
Jorge Junior.
Ótima discussão você nos trouxe Fabio, há muito tempo eu sempre imaginei desse jeito nos temos que saber como funciona todo o processo pra ter uma base e não ficar voando em determinadas situações. Mais as Faculdades e Universidades massacram o aluno com informações que hoje com toda sinceridade eu não utilizo 50% no mercado de trabalho.
Lógico que a engenharia me transformou em outra pessoa intelectualmente e moralmente, hoje penso e faço meus afazeres de uma forma bem a frente do que uma pessoa que não teve oportunidade de fazer um curso como esse. Mais uma boa parte do conhecimento que hoje eu utilizo veio do meu curso técnico e alguns outros específicos. Por mais que o ensino nesses cursos esteja um pouco degradado, ao menos temos pratica e mais pratica e isso é o que importa hoje em dia para quem te contrata até mesmo para quem quer seguir com a vida acadêmica a pratica é importante, pois o que um professor ira responder a um aluno sobre uma pergunta da área mais em uma situação pratica sem ao menos ter vivenciado aquilo.
Realmente é uma tarefa muito difícil modificar os métodos que as universidades e faculdades aplicam, mais ao menos temos consciência do que realmente importa!
Fábio, vou recomendar este seu artigo a meus alunos. Claro, é um ponto de vista, e a discussão pode sempre ser retomada. Mas acho que, na forma em que você as colocou, as definições são claras e convincentes, e poderiam até ser tomadas como finais. Você conseguiu estabelecer os limites das competências, valorizando cada tipo de atividade, naquilo que deveria ser sua vocação original.
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